quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Quando literatura e música se unem

Por Guilherme

Uma das passagens bíblicas mais famosas está contida no capítulo 3 do Livro de Eclesiastes:

Para tudo há um momento, e tempo para cada coisa sob o céu:
Tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou;
Tempo de matar e tempo de curar; tempo de destruir e tempo de construir;
Tempo de chorar e tempo de rir; tempo de lamentar e tempo de dançar;
Tempo de atirar pedras e tempo de juntar pedras; tempo de abraçar e tempo de evitar o abraço;
Tempo de procurar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de jogar fora;
Tempo de rasgar e tempo de costurar; tempo de calar e tempo de falar;
Tempo de amar e tempo de odiar; tempo de guerra e tempo de paz.

O músico americano Pete Seeger aproveitou esses versos, os modificou ligeiramente e, em 1959, compôs uma das mais belas canções da história do rock, Turn! Turn! Turn!, que ficaria conhecida na versão dos Byrds, na década de 60.


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Libertação Animal

Por Guilherme

 A editora Martins Fontes lançou recentemente uma nova edição de Libertação Animal, do filósofo australiano Peter Singer. O livro, publicado originalmente em 1975 (no Brasil, a primeira edição saiu em 2006, pela editora Lugano), é um marco na defesa do bem-estar animal no mundo inteiro.
      Singer é adepto da filosofia utilitarista de John Stuart Mill e Jeremy Bentham que, em linhas gerais, defende a maximização da felicidade e a redução do sofrimento para o maior número possível de indivíduos. O australiano vai além e diz que a redução do sofrimento deve ser buscada para todos aqueles que sejam capazes de senti-lo, sejam humanos ou não. E essa é a ideia base de Libertação Animal.
      O livro discute o sofrimento dos animais nas granjas e fazendas industriais, abatedouros e nos laboratórios de pesquisa. Segundo Singer, a utilização de animais nesses locais é abusiva e não considera o interesse deles de não sofrer. A descrição de como os animais são mantidos e tratados nesses locais é perturbadora e revela o pouco caso que fazemos do sofrimento alheio. Aos relatos somam-se algumas fotos das vítimas da indústria da carne e dos laboratórios médicos e farmacêuticos. Nesses, muitos dos procedimentos não são sequer necessários (ou você realmente se importa em ter 10 mil variedades de perfume à sua disposição?), mas ocorrem sem nenhum questionamento ético.
      Os argumentos de Singer não são emocionais (poderiam ser, e ainda assim seriam válidos, no meu ponto de vista), mas se sustentam em um sistema ético bem elaborado, que defende a igual consideração de interesses entre as espécies (para saber mais sobre a filosofia de Singer, uma boa leitura é Ética Prática, publicada pela Martins Fontes em 2002). Se o sofrimento físico é ruim para um humano, o que se pode dizer da situação de uma galinha que passa a vida inteira trancada em um espaço mínimo, sem ter como se movimentar, além de viver sob luz constante, e com o bico quebrado?
      Para finalizar, faço um mea culpa: não posso criticar abertamente a madame que compra uma infinidade de perfumes diferentes, testados em animais, pois não sou vegetariano e, assim, faço parte da indústria da exploração animal. Admiro quem o é e creio, assim como Thoreau, que a sociedade será eticamente mais refinada à medida que mais pessoas abandonarem o consumo de carne. Para quem quer levar uma vida mais significativa, como disse o próprio Singer em Vida Ética (Ediouro, 2002), talvez esse seja um bom começo.

O blog Rancho Alegre transcreveu o prefácio de Libertação Animal. Para ter acesso a ele, clique aqui.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Novos Escravos, por Efraim Rodrigues

Efraim Rodrigues é um dos ecólogos de maior destaque no Brasil. Doutor pela Universidade de Harvard e Professor da Universidade Estadual de Londrina, Rodrigues tem se dedicado, além das questões acadêmicas, à educação ambiental na prática, atuando em escolas brasileiras. Além disso, é uma voz sensata e crítica do consumismo contemporâneo. Página Virada transcreve o artigo Novos Escravos, de autoria de Rodrigues, publicado na Gazeta do Povo, de Curitiba, em 10/12/2010.


Novos Escravos

      A ascensão das classes C e D brasileiras é reconhecida até pela oposição, mas vale a pena olhar isso com mais atenção. Atenção ambiental e de qualidade de vida, não só econômica.
      É lindo imaginar as pessoas com mais dinheiro e vivendo melhor. Em algum canto de nossa mente vemos aquela mulher que carrega água na cabeça comprando tubos e bombas, imaginamos esgotos a céu aberto sendo tratados. A realidade é diferente.
      Resolvi ir atrás de dados quando li sobre o morador do Complexo do Alemão que pintou a parede e comprou um móvel novo para uma tevê que acabou destruída. Junte essa história com outra: metade dos alunos de 15 anos não sabe ler (repito: alunos, não se considerou jovens não alunos). E a terceira: consumidores com renda entre R$ 500 e R$ 1.000 respondem por uma alta de 43,9% na demanda por crédito no ano (índice Serasa). Esse é crédito exclusivamente para consumo, não para pagar contas. Não nos endividamos para melhorar de vida. Estamos nos endividando para consumir, comprar quinquilharias.
      Assim como no escravagismo de fato, esse também obriga as pessoas ao trabalho e o resultado não é a melhora de vida de todos, mas a acumulação de poucos. O que todos terminam por dividir, consumidores ou não, é a degradação de recursos naturais: água, minerais e energia necessários para construir o último objeto com vogais repetidas (por que a indústria tem obsessão por nomes com vogais repetidas?).
      Há também o agravante do envelhecimento da população. Se você ainda imagina o brasileiro médio como jovem e cheio de filhos, precisa rever seus conceitos. Nossa população não está tendo filhos nem para repor os pais e está envelhecendo rapidamente. Em 20 anos, o brasileiro médio será um velho sem filhos para cuidar dele e sem poupança. Poupamos muito menos que 10% de nossa renda bruta, enquanto China e Índia estão por volta de 30%. É por isso que em 40 anos deixaram de plantar arroz enquanto estamos só um pouco melhor.
      Mas essa não é a primeira vez que perdemos o bonde da história. Na década de 50 trocamos o superávit gerado na Segunda Guerra por meias de náilon e chicletes. A história se repete e ainda mais para os que não a conhecem.
      Esse neo escravagismo obriga as pessoas a trabalhar como loucas para consumir de maneira igualmente insana. O grilhão só é aparentemente menos dramático por não ser de ferro, mas é muito pior por prender as pessoas pela mente. Um escravo podia ao menos tentar fugir para um quilombo, mas para onde foge alguém cuja mente foi aprisionada?
      Tenham todos um Feliz Natal.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

André Comte-Sponville, sobre a importância dos livros

Por Guilherme

A obra  O Amor a Solidão (Martins Fontes, 2006) é composta por três entrevistas do filósofo francês André Comte-Sponville. Nelas, o autor fala sobre o amor, a felicidade, a morte, a filosofia e, claro, os livros. Quando questionado sobre a influência dos livros na vida de uma pessoa, ele declarou:

"Claro que um livro pode mudar uma vida! É inclusive sob essa única condição que, de fato, vale a pena ser lido ou ser escrito. (...) Um belo livro deve portanto nos desesperar dos livros também. É o mais lindo presente que alguns grandes escritores me fizeram: eles me libertaram deles libertando-me de mim, ou me libertaram de mim, pelo menos um pouco, libertando-me deles... Sabe, quando o mar se retira na maré baixa e caminhamos ao longo da praia: aquela doçura súbita, aquela tranquilidade, aquela liberdade... Até parece que algo de nós se foi com ele, lá longe, nos deixou, e isso cria como que uma nova paz, uma nova leveza. A gente respira melhor. Anda melhor. Como a praia é grande! Como o céu é bonito! Estou nesse ponto: leio cada vez menos; passeio, descalço, na areia... Enfim, tento, e só gosto dos livros que me ajudam a fazê-lo."

domingo, 12 de dezembro de 2010

A Arte de Ser Desagradável

Por Guilherme

      “Rebelde sem causa” é o termo que melhor descreve a vida do jornalista americano Jim Knipfel até o início de sua idade adulta, ou bem mais do que isso. Knipfel gostava de atazanar a vida alheia, às vezes de modo agressivo e perigoso. Parte de suas memórias dos anos de delinquência está em A Arte de Ser Desagradável (Bertrand Brasil, 2010).
      Nem o fato de Knipfel ser portador de uma doença degenerativa nos olhos, chamada retinite pigmatosa, que o impede de ver as coisas claramente na maioria das situações, o deteve de levar a cabo planos como o incêndio da sala da administração da universidade na qual ele e seu amigo inseparável, o maluco Grinch, estudavam.
      Os relatos de passagens da infância do autor mostram que nem tudo o que ele fez foi atentar contra a integridade de outras pessoas. Certa feita, ele se vestiu de palhaço em uma festa de sua escola. Sua função era ficar dentro de uma caixa e aparecer subitamente, mexendo seus braços e agindo de forma boba. Aborrecido pela situação, o menino prostrou-se no fundo da caixa, ficando lá por todo o tempo, frustrando sua professora e colegas. Hoje com 45 anos, Knipfel afirma continuar aborrecendo os que estão a sua volta, mesmo involuntariamente, por causa de sua cegueira parcial ou pelo fato de ele ser um sujeito anti-social que é obrigado a conviver com outras pessoas.
      No final de sua narrativa, Knipfel deixa transparecer algo que é recorrente à maioria das pessoas de passado conturbado: o arrependimento. A chegada da maturidade trouxe uma maior paz de espírito ao autor, que finalmente pode aplicar aquilo que chama de “budismo para cachaceiros”, ou seja, aproveitar a vida agora, respeitando os demais, sem tentar ser um chato na maioria das ocasiões (o termo usado por ele no livro é outro). Isso pode parecer simples, e é mesmo, mas para um sujeito com o histórico de Knipfel, viver desse modo é como atingir o Nirvana.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Colapso

Por Guilherme

      O geógrafo e biólogo Jared Diamond é um dos cientistas mais influentes da atualidade. Em seu livro mais famoso, Armas, Germes e Aço (Record, 2006), o autor mostrou que a evolução das sociedades humanas resultou de fatores geográficos e ambientais que facilitaram o desenvolvimento da agricultura, a domesticação de animais e a estabilização de grandes grupos humanos, ao invés de diferenças genéticas ou intelectuais entre os povos.
      Em Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso (Record, 2009), Diamond analisa como sociedades humanas, até então bem estabelecidas, podem ruir. A obra, densa como a anterior, inicia com uma análise da situação do estado americano de Montana, outrora um dos mais ricos dos Estados Unidos devido à mineração, por décadas a principal atividade econômica do estado. Hoje, Montana é um dos estados com piores índices econômicos e, ironicamente, a culpa é da exploração de minerais. Com ela, os recursos ficaram escassos, os solos empobrecidos e os rios, poluídos. As empresas mineradoras saíram de Montana, não pagaram as devidas multas pelos danos causados, e deixaram o estado à beira de um colapso ambiental. De acordo com Diamond, a falta de responsabilidade com relação ao uso dos recursos naturais é um dos fatores que conduz uma sociedade à ruína. No caso de Montana, o colapso parece mais distante porque o estado faz parte de um sistema econômico relativamente sólido e, por isso, não está isolado com seus problemas.
      O livro segue com uma análise muito interessante sobre o colapso de sociedades famosas e tradicionais, como a da Ilha de Páscoa, os maias e os vikings. Depois, são apresentados casos contemporâneos, como a tragédia de Ruanda em 1994, desencadeada, argumenta Diamond, pelo fato de existirem muitas pessoas disputando parcos recursos. A introdução de espécies exóticas na Austrália, e a consequente extinção de animais locais, além de danos ambientais incalculáveis provocados por coelhos e raposas vindos da Europa, também é tema de Colapso. A gigante China é citada como exemplo de mau uso da natureza, que causou níveis de poluição no ar, água e solo poucas vezes vistos no planeta.
      Os últimos três capítulos discutem como as pessoas podem ser tão relapsas em relação ao ambiente, a ponto de sociedades inteiras entrarem em colapso por causa disso. Diamond pergunta: “Por que algumas sociedades tomam decisões tão desastrosas?”, e as respostas para isso são tremendamente simples e desconcertantes. O autor confia no papel das grandes empresas para salvar o meio ambiente, e trata dessa questão em um capítulo inteiro. No final, Diamond traz uma mensagem de “esperança realista” sobre a situação do mundo hoje, e traça algumas ideias do que pode ocorrer no futuro se continuarmos agindo como estamos hoje ou, como esperamos, se nossa sociedade tomar um rumo melhor.
      Colapso é leitura obrigatória para os amantes de história, e deveria ser também para os políticos e demais tomadores de decisão. A velha máxima de que devemos estudar o passado para não repetir os erros que cometemos nunca foi tão bem aplicada.

OBS: Diamond escreveu um artigo sobre a relação das empresas com o meio ambiente. O texto foi publicado na revista Veja, no final de 2009, e é um bom resumo do capítulo de Colapso que trata do mesmo tema. O artigo pode ser acessado aqui.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Para saber mais sobre a história das músicas

O site Songfacts é o local ideal para aqueles que gostam de música e também apreciam a história por trás de cada uma delas. Além de apresentar os fatos referentes à composição de cada música (quem a compôs, quando, qual foi a inspiração, sobre o que ela trata) o site disponibiliza a opinião de fãs, que também comentam sobre suas músicas preferidas e, muitas vezes, falam da importância delas em suas vidas.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O humor do Tosco

Esta tirinha inédita do Tosco nos foi enviada pelo seu próprio criador, o cartunista Peli, a quem o blog agradece!

domingo, 28 de novembro de 2010

A boa música, no Fim do Mundo

Por Guilherme

Passei boa parte da minha adolescência ouvindo a rádio Antena1, ligado na frequência 102.7 de Caxias do Sul. Com ela, fazia minhas tarefas de casa, lia, descansava e passava meu tempo livre. Através dela, conheci melhor grandes nomes da música como Phil Collins, Alice Cooper, America, Johnny Rivers, Bee Gees, Peter Frampton, Chicago, entre outros, além de ouvir frequentemente músicas dos Beatles (foi através da Antena1 que ouvi In my life, a melhor música de Lennon/McCartney, na minha opinião). Lembro, inclusive, da noite em que liguei o rádio (já ajustado nos 102.7) e estranhei a programação da rádio, bem diferente da Antena1 que eu conhecia. E, de fato, não havia mais transmissão da rádio na serra gaúcha, e o único modo de ouvir os clássicos da Antena1 era sintonizar os 89.3 da transmissora de Porto Alegre, ou ir ao site da rádio, o que era complicado em uma época de conexões discadas e caras. O fim da Antena1 na serra gaúcha foi uma das tristezas da minha adolescência. Não encontrei outra emissora que tocasse os clássicos do rock e da música pop dos anos 60, 70 e 80.
Felizmente, descobri outra rádio com um perfil parecido com o da Antena1. A Rádio Centro, da cidade de Ushuaia, na Terra do Fogo argentina, tem uma programação dedicada aos clássicos das décadas passadas. Das 20h às 8h, a rádio toca muita coisa boa, como Neil Diamond, Paul McCartney, George Harrison, Electric Light Orchestra, Creedence, Rod Stewart, Phil Collins e Roy Orbison. Os outros horários são dedicados às músicas argentina e latina.
Além da boa programação, o pessoal da rádio entende o que a música significa para a vida das pessoas. Isso transparece na mensagem inicial do site:
Disfruten de una programación realizada para que puedan escuchar aquellos temas que marcaron sus vidas, los temas con que pasaron su juventud, con los que conocieron a alguien, con los que iniciaron un camino…
Esperemos que disfruten esta radio, en donde volvemos a la tradicional FM en donde se podía ESCUCHAR Música.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A Vida no Limite: a ciência da sobrevivência

Por Guilherme

Recentemente, o até então desconhecido “campeonato mundial de sauna” despertou a atenção do mundo inteiro. Sua final foi disputada por dois competidores, um russo e um finlandês, e o campeão seria aquele que aguentasse mais tempo na sauna, sob uma temperatura superior a 100 graus centígrados. Resultado: depois de 6 minutos a 110 graus, ambos tiveram que ser encaminhados a um hospital, e o russo não resistiu. Por incrível que pareça, o campeonato de sauna era disputado desde 1999, e até então nenhuma morte havia sido registrada. Mais incrível ainda é saber que uma pessoa normal pode suportar temperaturas ainda maiores, em um ambiente seco. Experimentos indicam que é possível passarmos poucos minutos em um local com temperatura de 127ºC e sairmos sem sofrer quaisquer danos graves a nosso organismo.
A capacidade humana de resistir a extremos de temperatura, de escalar locais de alta altitude (às vezes sem oxigênio suplementar), de mergulhar em grandes profundidades, de conseguir correr uma maratona mantendo velocidades médias superiores a 20km/h, entre outras, é o tema principal de A Vida no Limite: a ciência da sobrevivência (Jorge Zahar, 2001), da fisiologista inglesa Frances Ashcroft. Além de discutir nossos limites corporais, Ashcroft também trata de alguns recordistas do mundo animal, como gansos que voam a altitudes superiores a 9000 metros (suficiente para sobrevoar o Everest), e bactérias que sobrevivem em fontes de águas termais de 100ºC.
A leitura de A Vida no Limite é muito agradável devido à linguagem clara e objetiva utilizada por Ashcroft, e pelo fato de que cada tema tratado é apresentado com diversos exemplos e com o estudo de vários casos emblemáticos (como as histórias sobre as escaladas ao Everest). Apesar de ser escrito por uma cientista, o livro interessará a todos que são leigos em assuntos de fisiologia humana, mas que se surpreendem com nossa incrível capacidade de sobreviver em condições difíceis e de lidar com a adversidade.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A Revolução dos Bichos

Por Guilherme

      Escrito em 1945 por George Orwell, A Revolução dos Bichos é um dos livros mais famosos do século XX. Sua história, bastante conhecida e discutida, narra a revolta dos animais da Granja do Solar contra seu proprietário Jones, um sujeito alcoólatra e violento no trato com os animais. A revolta é incentivada pelos porcos, animais mais intelectualizados, que convencem os demais de que é necessário um levante contra o abuso da autoridade humana. Um governo de animais, para animais, é a solução.
      Os animais se unem e conseguem expulsar o então proprietário da Granja, e assim cumprem a primeira etapa de sua revolução. Sem humanos, e com um governo que considere e trate igualmente a todos os animais (“quatro pernas bom, duas pernas ruim”), a vida, pensam eles, ficará muito melhor.
      Os dois porcos líderes, Napoleão e Bola-de-Neve, encarregam-se de dirigir o início da construção da nova granja, agora chamada Granja dos Bichos, e propõem os sete mandamentos dos bichos, que definem a vida igualitária da sociedade e tentam extirpar qualquer resíduo humano dela (proíbem-se as roupas, a ingestão de álcool, dormir em camas e matar animais).
      O tempo passa e a Granja toma um rumo diferente daquele imaginado inicialmente, pelo menos para a maioria dos animais. O líder Napoleão passa a ter privilégios e age de modo deliberado, sem consultar os demais animais para tomar decisões e modificar as leis estabelecidas. Para os outros animais, especialmente os cavalos Sansão e Quitéria, só há trabalho, muito trabalho.
      As revoltas, ou insubordinações, são punidas com perseguições e morte. Analfabetos e enganados pela boa propaganda governamental feita pelo porco Garganta, os animais não se dão conta de que os sete mandamentos aos poucos vão sendo levemente alterados (“nenhum animal matará outro animal, sem motivo”) de acordo com as necessidades dos líderes da Granja. Por fim, até os humanos, outrora inimigos mortais, se aproximam dos porcos e com eles se reúnem e negociam, sob o olhar perplexo dos habitantes da Granja.
      A história de Orwell foi escrita como uma crítica direta ao governo stalinista da União Soviética e, por isso, acabou rejeitada por diversos editores ingleses, que não queriam publicar um manifesto tão aberto contra um aliado de guerra, ainda mais tendo seus líderes representados por porcos. Além de proibido em países comunistas, também foi banido em nações islâmicas, sob o pretexto de que retrata porcos, alimento proibido para os muçulmanos. Apesar de seu enredo tratar de uma situação particular, A Revolução dos Bichos continua atual. Corrupção, exploração de indivíduos por outros, a fome pelo poder, a ganância pelo dinheiro e pelo conforto, mesmo que isso custe o bem-estar alheio, são todas características humanas. O livro de Orwell é, acima de tudo, uma fábula sobre a natureza humana. Afinal, “todos os bichos são iguais, mas alguns bichos são mais iguais que outros”.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Uma boa história fora dos livros

      Por Natália     

      Quem aprecia uma boa história não se importa com o meio pelo qual ela é contada. Para essas pessoas, um livro ou um filme são boas formas de entretenimento que rendem um mergulho de algumas horas a um mundo paralelo onde se deve exercitar a imaginação para acompanhar o que se passa. Contar uma história, porém, não é exclusividade de livros ou filmes. Há também jogos, de videogame ou computador, capazes de fazer isso.
      Quando adolescente, tive o privilégio de conhecer uma série de jogos de mistério, chamada Gabriel Knight, que despertou em mim duas coisas: a admiração por histórias de suspense bem amarradas e a vontade de visitar os lugares onde o enredo dos jogos se passava.
      O primeiro volume da série (que tem três jogos no total) se chama Gabriel Knight: Sins of the Fathers (Pecados dos Pais) e pode ser considerado um tanto simples por aqueles que não dispensam efeitos especiais de última geração ou tiroteios e carnificinas. Neste jogo, somos apresentados a Gabriel Knight, um aspirante a escritor e dono de livraria que nasceu e mora em Nova Orleans (EUA). Gabriel gosta de se inspirar em fatos reais para escrever seus romances, e os recentes e misteriosos assassinatos ocorridos na sua cidade têm chamado sua atenção. Embora sua assistente, Grace Nakimura, uma jovem de origem japonesa que recentemente se mudou de Nova York para Nova Orleans, o aconselhe a não se intrometer em assuntos perigosos, Gabriel vê-se envolvido cada vez mais na trama. Os crimes parecem estar ligados ao vodu, uma prática religiosa comum no sul dos Estados Unidos e no Caribe, e seguir um ritual bem delineado.
      Gabriel é amigo de um detetive da polícia local, chamado Mosely, que lhe fornece informações importantes ao longo da história. É na companhia de Mosely que Gabriel Knight conhece uma bela (e de família rica e tradicional) moradora de Nova Orleans, Malia Gedde, por quem acaba se apaixonando.
      Durante as investigações, Gabriel é quase surpreendido várias vezes por aqueles que ele julga serem os culpados pelos assassinatos. Quando imagina estar prestes a concluir o caso, recebe uma ligação da Alemanha, de um tio-avô que revela que Gabriel é um Schattenjäger (caçador de sombras) e que seu destino estará para sempre ligado ao sobrenatural. Gabriel Knight, então, entende o significado dos terríveis pesadelos que vem tendo constantemente: eles o avisam de que sua família havia sido amaldiçoada e que, para quebrar esse encanto, ele deverá solucionar imediatamente os crimes de Nova Orleans.
      Gabriel decide viajar à Alemanha, mas não encontra seu tio, que havia ido para a África à procura de um local sagrado para a prática de ritos similares ao vodu. Gabriel o segue até lá e, ao voltar para Nova Orleans, descobre que Grace foi sequestrada pelos criminosos. O caçador de sombras, então, finalmente percebe quem está por trás dos assassinatos e o que realmente motiva esses crimes. Só que ele precisa agir rápido para que sua assistente não tenha o mesmo destino que as vítimas dos assassinos do vodu.
     
      Gabriel Knight: Sins of the Fathers foi lançado em 1993. O que mais chama a atenção a respeito desse jogo é que todas as ações de Gabriel dependem da pessoa que o controla, que, embora precise realizar certas tarefas, pode escolher algumas atividades que queira fazer. A série Gabriel Knight foi criada por Jane Jensen, e os dois primeiros jogos foram transformados em livro nos Estados Unidos. Atualmente, jogos desse tipo parecem não estar mais em alta. Gabriel Knight, porém, é um clássico que todos os admiradores de quebra-cabeças deveriam conhecer.


sábado, 20 de novembro de 2010

Para Fazer do Mundo um Lugar Melhor

Por Guilherme

      “Quais seriam as melhores formas de aumentar o bem-estar global e, particularmente, o bem-estar da população dos países em desenvolvimento, supondo que US$ 50 bilhões adicionais estivessem à disposição dos governos?” Esse foi o desafio proposto pelo Consenso de Copenhagen, um projeto criado pelo cientista político dinamarquês Bjorn Lomborg, a um grupo de oito eminentes economistas, incluindo três vencedores do Prêmio Nobel.
      Lomborg ficou mundialmente famoso após a publicação de O Ambientalista Cético. Nessa obra, o dinamarquês critica com vigor aquilo que ele considera “alarmismo ambiental” por parte de ecólogos e ambientalistas, e tenta desconstruir a ideia de que estamos vivendo uma situação ambiental de calamidade. O Ambientalista Cético foi um dos poucos livros de temática ambiental que não terminei de ler porque, admito, me irritei com a argumentação de Lomborg. Parecia absurdo um sujeito ir contra os resultados de pesquisas bem estabelecidas, há décadas, por biólogos bastante competentes e idôneos. O livro é, ainda hoje, motivo para inúmeros debates entre ambientalistas e céticos da crise ambiental.
      Depois de abandonar O Ambientalista Cético, não imaginava que leria algo de Lomborg em breve. No entanto, uma entrevista recente do autor fez com que eu mudasse de ideia. Ao terminar a leitura da entrevista, percebi que o principal argumento de Lomborg é que, para realmente mudar a situação do mundo, são necessárias ações mais efetivas e menos propaganda e alarde, como acontece hoje. Infelizmente, muitos dos opositores de Lomborg sequer se dão ao trabalho de ouvir o dinamarquês. Deveriam.
A entrevista de Lomborg despertou novamente minha curiosidade pela sua obra. Assim, cheguei a Para Fazer do Mundo um Lugar Melhor: se você tivesse US$ 50 bilhões, por onde começaria? (Saraiva, 2008). Como exposto acima, um grupo de economistas foi desafiado a elencar áreas (educação, saúde, combate à corrupção, etc.) que necessitam de investimentos em todo o planeta. O livro é dividido em 10 capítulos, 9 que tratam dos temas em discussão e o capítulo final traz o resumo da avaliação do grupo, e a classificação das propostas. Foram consideradas 17 propostas e, de acordo com o painel de economistas, as três áreas mais necessitadas de recursos, e que dariam um bom retorno (humano e financeiro) aos governos e iniciativa privada, são: a) o controle do HIV/AIDS em países em desenvolvimento, especialmente na África; b) o fornecimento de micronutrientes, para diminuir os casos de desnutrição e fome no planeta; e c) a liberalização do comércio como medida de estímulo ao desenvolvimento das economias de países emergentes.
     A leitura de Para Fazer do Mundo um Lugar Melhor pode ser um pouco tediosa, especialmente para aqueles (como eu) que não acreditam que todos os problemas mundiais devem ser vistos, inicialmente, do ponto de vista econômico. Você pode não concordar com a avaliação do painel – eu também não concordo – mas se a pergunta Se você tivesse US$ 50 bilhões para mudar o mundo, por onde começaria? fosse dirigida a você, qual seria a sua resposta?

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O Livro da Minha Vida (3)

Por Tales Armiliato*    

     Contar a vida real através de testemunhos de uma profissão, a de jornalista, por vezes parece muito simples, mas não é. Escrever e publicar o cotidiano dos fatos, os acontecimentos envolvendo pessoas, representa demonstrar o que a vida também tem de ruim e de sofrimento. No dia a dia são inúmeros os exemplos: a falta de segurança, as mortes nas favelas, a briga pela liderança no tráfico de drogas e a corrupção em meio à política e aos próprios órgãos de segurança. Muitas vezes, aqueles que deveriam proteger ficam à margem da situação. Por isso, entre as leituras que marcaram a minha vida, seguindo a paixão pelo jornalismo e sua verdadeira função social, recordo do livro “Rota 66 – A História da Polícia que Mata”, do jornalista Caco Barcellos. Gaúcho e repórter da Rede Globo de Televisão, Caco é reconhecido pelo estilo marcante de suas reportagens. Em Rota 66, é apresentado ao leitor o verdadeiro mundo do crime com suas mais organizadas facções, infelizmente até na polícia. Sem escrúpulos. A vida real. A mais pura verdade, nua e crua, de uma sociedade brasileira que por vezes tenta esconder que a realidade de fatos possui consequências que se estendem pelos anos e na memória de muitas pessoas. A obra trata do triste episódio do assassinato de um grupo de jovens de classe média de São Paulo por uma incorreta ação de uma unidade da conhecida Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). O rumo da história começa a partir deste fato. O problema é que muitos outros assassinatos acontecem sem motivo, realizados pela polícia militar, que atira antes mesmo de perguntar. No livro-reportagem, Caco Barcellos também traz um pouco do dia a dia do repórter policial e investigativo. Ele relata suas experiências jornalísticas e aonde vai para conseguir o relato de suas fontes. O jornalista chega a lugares evitados até pela própria polícia e levanta um verdadeiro arquivo com dados e informações reveladoras sobre vítimas de tiroteios com a polícia militar. O livro Rota 66 se divide em três partes e prende a atenção do leitor como uma espécie de prisão ou filme de verdadeira ação cinematográfica. Fascinante! Os detalhes da obra chamam a atenção já no parágrafo inicial do livro, capítulo 1 – A perseguição:

"A Veraneio cinza nunca esteve tão perto. A 200, 300 metros, 15 segundos: a sirene parece o ruído de um monstro enfurecido. Os faróis piscam sem parar. O farolete portátil de 5 mil watts lança luzes no retrovisor de todos os carros à frente. Os motoristas, assustados, abrem caminho com dificuldade por causa do trânsito movimentado nesta madrugada de quarta-feira, no Jardim América. A Veraneio, com manobras bruscas, vai chegando perto, cada vez mais perto dos três homens do Fusca azul. Eles estão na Maestro Chiafarelli e têm à frente uma parede de automóveis à espera do sinal verde para o cruzamento da avenida Brasil".


      Rota 66 - A História da Polícia que Mata, representa um belo incentivo aos profissionais da área e amantes da escrita. Um verdadeiro estímulo ao aperfeiçoamento de novas habilidades. Lembrar de Caco Barcellos é falar de um de nossos melhores jornalistas brasileiros na atualidade. Um homem de cabelos grisalhos e de meia estatura, conhecido pela crítica jornalística do centro do país como a “voz da minoria e das vítimas da violência”. Lembro que esta também é uma bela caracterização que ele mesmo gosta de acrescentar, sempre, durante suas palestras pelo Brasil e principalmente aos futuros jornalistas. Diz ele: “eu sou assim, e por que mudar?”    

* Tales Armiliato é jornalista e repórter da Rádio São Francisco SAT – Caxias do Sul – RS.

"O Livro da Minha Vida" é um projeto do Blog Página Virada. O blog publicará regularmente um post sobre uma obra que marcou a vida de alguém. Para participar, mande seu texto para paginaviradablog@yahoo.com.br

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Leitura, educação e o futuro do Brasil

A revista Nova Escola publicou uma edição especial com o tema Leitura em abril de 2008. Embora a revista seja direcionada a professores, a primeira matéria, O X da Questão, é recomendada a todos que se preocupam com o futuro da educação no Brasil. O especial da Nova Escola pode ser acessado aqui.
Outro texto, escrito pelo jornalista Caco de Paula para o site Planeta Sustentável, abordando a mesma questão, pode ser encontrado aqui.

domingo, 14 de novembro de 2010

O Mundo É o Que É

Por Guilherme

      O filósofo e escritor caxiense Gilmar Marcílio é um exímio observador e analista do comportamento humano no cotidiano. Suas crônicas, publicadas semanalmente no jornal Pioneiro, tratam de temas variados como o amor, a crença religiosa, a honestidade, o bom senso e a felicidade. A habilidade de Gilmar em transformar esses temas complexos em crônicas leves e divertidas faz com que, à medida que vamos avançando na leitura de seus textos, cresça a impressão de que estamos no meio de uma boa conversa com amigos. O talento do escritor pode ser conferido em O Mundo É o Que É, uma coletânea de crônicas publicada em 2009 pela editora Belas Letras. É impossível não se identificar com algumas passagens narradas por Marcílio. Uma de minhas crônicas favoritas é A balança da honestidade. Nela, o autor retoma um tema que aparece com frequência em seus escritos: nosso mau comportamento. Sempre me chamou a atenção o fato de que sempre estamos dispostos a reclamar de políticos corruptos e ficamos revoltados quando ouvimos falar de grandes atos de desonestidade e, no entanto, vivemos alheios às pequenas transgressões que nós, ou nossos próximos, cometemos. Dirigimos em alta velocidade, fazemos ultrapassagens em locais indevidos (pondo em riso a vida de outras pessoas), jogamos lixo no chão, furamos a fila, etc. Realizamos atos como esses diariamente, e nós somos muito desatentos em relação a eles. É necessário, escreve Marcílio, que sejamos menos tolerantes com nossos próprios deslizes.
      O texto com o qual mais me identifico, no entanto, é O que me acalma. Além do silêncio, de uma boa companhia, dos livros e da música, considero a companhia de animais um dos mais eficientes métodos de tranquilizar a alma. Junto a eles encontro virtudes que não acredito que possam ser vistas na maioria dos humanos. Todo cão que abana o rabo, ou um gato que o levanta, faz isso porque se sente confortável na sua presença. Nem todo o ser humano que sorri sente o mesmo. Além do mais, animais não são tão interesseiros como nós; só um pouco de comida já basta para fazê-los felizes. Gilmar Marcílio assim escreve sobre a paz que sente pelo convívio com animais:

“Nada mais repousante do que encostar nosso rosto no de um cão, gato ou outro bicho qualquer. Por termos nos colocado no centro do universo, passamos a acreditar que é somente no reino dos humanos que se pode encontrar as mais altas gratificações emocionais. Exceto pelo desenvolvimento de uma linguagem mais elaborada, nada nos eleva acima da natureza, assim como a conceituamos. Os bichos estão encharcados de silêncio. Não cobram de nós senão um discreto resíduo de amor. Não nos julgam por nossa aparência e muito menos pelo cargo que ocupamos. Fico triste toda vez que vejo alguém maltratando-os ou simplesmente ignorando sua dor. Meu sonho de consumo é ter dinheiro suficiente para acolhê-los num imenso espaço verde e livre. A proximidade de minha chácara com a SOAMA, que há tantos anos vem salvando animais da fome, quando não da morte, é motivo de inquietação. Minha crença na bondade humana sofre abalos, sistematicamente. É só olhar para a expressão de um deles para saber que nossa superioridade se deu mais pela força do que pelo mérito. O pouco que se faz é ainda um exercício de compreensão de nossas limitações. E me acalma na medida em que descubro que estou ligado a eles e às plantas muito mais do que a muitas pessoas.”

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Daniel Dennett no Fronteiras do Pensamento

Por Guilherme

      O programa Fronteiras do Pensamento trouxe a Porto Alegre, no início dessa semana, o filósofo americano Daniel Dennett. Dennett é um dos maiores discípulos contemporâneos das ideias de Charles Darwin e, junto com Richard Dawkins, o maior crítico do papel das religiões organizadas no mundo.
      Dennett começou sua carreira acadêmica estudando assuntos ligados à origem da consciência humana. Seu conhecimento das ideias evolucionistas de Darwin fez com que ele unisse esses dois campos do conhecimento, propondo teorias a respeito de como a seleção natural moldou nossa estrutura cerebral e nos permitiu possuir essa característica tão distinta que é a consciência. Esse foi, em linhas gerais, o assunto apresentado pelo filósofo no Fronteiras do Pensamento.
      Conheço as ideias de Dennett desde a época de minha graduação, quando li A Perigosa Ideia de Darwin (Rocco, 1998), e me surpreendi com o enorme conhecimento do autor sobre evolução, apesar de ele não ser biólogo. Nesse livro, o americano explica os mecanismos que possibilitam aos seres vivos evoluírem (modificarem-se ao longo do tempo) e quais são as implicações do conhecimento da evolução em campos como a ética e a psicologia. Um dos conceitos mais interessantes da obra, e que também foi abordado por Dennett em sua palestra, é a ideia dos memes. Um meme é uma espécie de gene cultural, ou seja, uma ideia, palavra, música ou conceito que se espalha pela população através da cultura e, como ocorre com os genes, também está sujeito à seleção. Boas ideias, assim como bons genes, permanecem por um bom tempo, e é por isso que ainda hoje lemos Shakespeare e os filósofos gregos. Apesar disso, ideias e conceitos não tão bons assim também podem perdurar por nos atingirem da mesma maneira que um vírus, subitamente e sem que sejam notadas. Isso explica por que letras de músicas “grudentas” costumam fazer algum sucesso.
      O último livro de Dennett lançado no Brasil, Quebrando o Encanto (Globo, 2006), trata de um tema bastante espinhoso: o surgimento, a evolução e a fixação de ideias religiosas nas pessoas, e o posterior surgimento das religiões organizadas. De acordo com o filósofo, a religião também é um meme que passou pelo teste do tempo e hoje pode ser encontrada em todas as culturas do planeta. O autor critica o fundamentalismo religioso, que foi a causa de tragédias como a de 11 de setembro de 2001 em Nova York, e convoca os moderados a discutirem internamente de que modo isso pode ser solucionado. Apesar de sua postura crítica e do ateísmo confesso, Dennett é bastante respeitado por autoridades religiosas pela sua seriedade e pelo tom moderado de suas opiniões.
      Tenho em Dennett um grande herói intelectual. A Perigosa Ideia de Darwin é um dos livros mais interessantes que li, e o recomendo àqueles que queiram conhecer melhor os mecanismos evolutivos. O conhecimento que ele demonstra ao falar sobre evolução e a clareza de seus escritos são impressionantes, a ponto de alguns o considerarem o “novo Darwin” (o que se justifica também pela aparência de Dennett, calvo e com uma grande barba branca, como a do evolucionista inglês). O autor mantém um site, através do qual podemos acessar alguns de seus textos, sejam artigos científicos ou de jornal. Fazer uma visita ao site de Dennett e ler seus escritos é a melhor maneira de entrar em contato com as ideias de um dos mais influentes pensadores da atualidade.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

O Dom

Rumika Vasi, filha de indianos, nasceu e mora no Reino Unido. “Rumi” não é uma garota comum: ela é uma adolescente superdotada, com um talento incrível para a matemática. Sabendo do potencial da filha, o pai, Mahesh, a obriga a manter uma árdua rotina de estudos. Seu objetivo é fazer com que ela entre para a universidade antes de completar quinze anos. Mahesh não admite que a menina perca a concentração durante os estudos e, como acredita que o calor provoca preguiça, faz Rumi estudar num quarto com baixa temperatura. O objetivo de Mahesh não é apenas fazer com que a filha estude em Oxford, mas também assegurar o lugar da família Vasi na sociedade britânica. Rumi, por outro lado, sente-se incompreendida e pressionada pelo pai, pouco apoiada pela mãe, Shreene, rejeitada pelos colegas, que a consideram esquisita, e confusa com relação ao futuro que Mahesh tenta traçar por ela.
A passagem de Rumi do Ensino Médio para a universidade é narrada por Nikita Lalwani em O Dom (Nova Fronteira, 2008). A autora, nascida na região do Rajastão, na Índia, cresceu no País de Gales, assim como a protagonista de seu primeiro romance. O ponto alto de O Dom é a ida de Rumi à universidade. Lá, longe dos pais e das tradições hinduístas mais tradicionais, a garota se sente livre e, por causa disso, começa a descuidar dos estudos. É na universidade que Rumi descobre certos sentimentos e sensações e percebe que, apesar de sua enorme capacidade para o cálculo, ela é ainda imatura para uma porção de coisas. Outros trechos de destaque na trama são as viagens de Rumi à Índia, com a família. A menina, que não gosta da pressão do pai para que as tradições indianas sejam seguidas, sente-se fascinada pelos mistérios da nação de origem da família e vê nessas viagens uma oportunidade para fugir da asfixiante rotina de estudos a que Mahesh a submete. O Dom é certamente um romance muito interessante que merece ser apreciado.

sábado, 6 de novembro de 2010

Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo

      Charles Darwin é conhecido por todos como o cientista que elaborou a ideia de evolução através da seleção natural, a qual explica por que todos os seres vivos (incluindo nós) são como são. Além de ser o “pai” da moderna teoria evolutiva, Darwin contribuiu com a ciência de inúmeras maneiras: é difícil encontrar alguma área das ciências biológicas que não teve a influência de seu trabalho. Darwin fez observações interessantes sobre o comportamento animal e humano, entomologia, botânica, parasitologia, geologia, e até refletiu sobre os prós e contras do casamento (depois de pensar bastante sobre o assunto, optou pelo matrimônio com sua prima Emma).
      Boa parte das ideias de Darwin se consolidou durante a sua famosa viagem pelo mundo a bordo do navio Beagle. A embarcação zarpou da Inglaterra, em 27 de dezembro de 1831, sob o comando do capitão Robert FitzRoy, e levava a bordo o jovem Darwin, na época com 22 anos de idade. O objetivo da viagem do Beagle era continuar uma pesquisa hidrológica no litoral da América do Sul, e Darwin aproveitaria o trajeto para coletar espécimes de animais e vegetais, além de fósseis, que seriam destinados a universidades britânicas. Após navegar pelos Oceanos Atlântico, Pacífico e Índico, e ter passado por vários locais, como o Brasil, a Terra do Fogo, as Ilhas Galápagos, o sul do continente africano, a Austrália, as ilhas de Cabo Verde e Açores, o Beagle terminou sua viagem em 2 de outubro de 1936.
      A viagem oportunizou a Darwin muito mais do que conhecer lugares novos. O cientista ficou fascinado com a diversidade das espécies nos trópicos e com os nativos dos locais por onde passava. Observador meticuloso, ele anotava suas ideias e impressões em diários, que foram transformados em livros. No Brasil, a coletânea dos escritos de Darwin sobre seu tempo no Beagle foi publicada pela L&PM, em dois volumes, com o título Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo. Em nosso país e em outros pontos da América do Sul, além das belezas naturais e da rica biodiversidade, a escravidão chamou a atenção de Darwin, a ponto de ele citá-la em várias passagens de seus textos.
      Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo traz registro minucioso das espécies que Darwin encontrou pelo mundo. Comparar as informações do livro com o panorama atual é um exercício interessante. Por exemplo, algumas espécies citadas por Darwin extinguiram-se em menos de 200 anos, e ninguém vai ter o mesmo privilégio do naturalista inglês de apreciá-las na natureza. Outras espécies, como o condor andino, já foram muito abundantes, a ponto de o próprio Darwin ter atirado em alguns para a sua coleção! Hoje, as áreas habitadas por condores são reduzidas.
Infelizmente, nem tudo mudou desde a estada de Darwin aqui na América do Sul. Ao descrever os gaúchos e a sociedade argentina da época, o inglês fez alguns comentários que certamente não são estranhos a nós, brasileiros do século XXI:

“A polícia e a justiça são bastante ineficientes. Se um homem pobre comente um assassinato e é pego, ele é preso, e talvez até fuzilado, mas se ele é rico e tem amigos, ele pode confiar que não advirá nenhuma consequência muito severa. É curioso que os habitantes mais respeitáveis do país invariavelmente ajudam um assassino a fugir: eles parecem pensar que os pecados individuais se dão contra o Estado, e não contra as pessoas.”

E mais adiante:

“Quase todo funcionário público pode ser subornado. O gerente nos correios vendia selos governamentais falsificados. O governador e o primeiro ministro tramavam abertamente roubar o tesouro do Estado. Justiça, quando o ouro entrava em questão, raramente era esperada por alguém.”

Por fim:

“Diante desta total carência de princípios dos homens que estão no poder, em um país cheio de oficiais mal pagos e baderneiros, é inacreditável que o povo ainda tenha esperança de que algum tipo de governo democrático possa dar certo!”

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Paul McCartney está chegando!

Por Guilherme     

      Um dos assuntos mais comentados nas últimas semanas é a vinda do Beatle Paul McCartney ao Brasil. Aqui, ele fará três shows (um em Porto Alegre e dois em São Paulo), todos eles com ingressos esgotados. No Rio Grande do Sul, comenta-se que a movimentação causada pela vinda de Macca é semelhante à que ocorreu durante a visita do Papa João Paulo II a Porto Alegre em 1980. O motivo para tanta expectativa é óbvio: McCartney formou com John Lennon, George Harrison e Richard Starkey (Ringo Starr) o maior grupo de rock da história, e é a primeira vez que um deles vem ao Rio Grande do Sul.
      Uma história como a dos Beatles é algo raríssimo e provavelmente nunca se repetirá em local algum. É uma coincidência impressionante o fato de que três dos maiores talentos da música contemporânea (McCartney, Lennon e Harrison) se encontrassem na mesma região e na mesma época. O que eles fizeram juntos perdurará para sempre.

sábado, 30 de outubro de 2010

Em breve, não haverá tigres na natureza. E daí?

Por Guilherme

      Foi publicada, há poucos dias, uma notícia dando conta do possível desaparecimento de tigres em seu ambiente natural até 2022 (leia a notícia aqui). De acordo com a WWF, uma das mais importantes organizações não governamentais do planeta, existem aproximadamente 3200 desses animais soltos na natureza, e esse número declina a cada ano. Planos para salvar a espécie já estão em andamento, mas não se pode ter certeza de que funcionarão, já que esses felinos são visados por sua pele e por seus ossos, que possuiriam supostas propriedades medicinais (nunca comprovadas). Algumas pessoas, ao lerem a notícia, poderão se perguntar: “E daí? Minha vida não vai mudar nada com isso.” É verdade: a extinção dos tigres não vai alterar o cotidiano de quase ninguém. Mas sempre que vejo uma notícia como essa, lembro daquilo que o biólogo Edward O. Wilson escreveu em A Criação: como salvar a vida na Terra (Companhia das Letras, 2006):

É possível que nunca cheguemos a avistar pessoalmente certos animais raros – podemos lembrar o lobo, o pica-pau-bico-de-marfim, o panda, gorila, a lula-gigante, o grande tubarão-branco, o urso-pardo –, mas precisamos deles como símbolos. Eles proclamam o mistério do mundo. São as joias da coroa da criação. Só saber que eles existem em algum lugar, estão vivos e passam bem é importante para o espírito, para que nossa vida seja inteira. Se eles vivem, então a Natureza também vive. Com certeza nosso mundo estará em segurança, e nós estaremos numa situação melhor. Imagine o choque dessa manchete: ABATIDO O ÚLTIMO TIGRE – A ESPÉCIE ESTÁ EXTINTA.”

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Quando um Crocodilo Engole o Sol

Notícias vindas do Zimbábue não são muito comuns aqui no Brasil. Quando chegam, elas mostram, em sua maioria, os enormes problemas sociais e políticos vividos por esse país africano. Antes da Copa de 2010, a seleção brasileira aceitou fazer um amistoso contra o selecionado zimbabuano, na África, recebendo mais de R$ 2,5 milhões para isso. Além do absurdo que foi receber essa quantia de um país miserável, divulgou-se recentemente que a renda do jogo, de mais de 640 mil dólares, desapareceu!
      O Zimbábue é governado pelo ditador Robert Mugabe desde 1980. Seu governo é considerado um dos mais corruptos do planeta, com visões políticas pré-históricas, violadoras dos direitos humanos, homofóbicas, racistas e que levaram o país a um colapso econômico e social. Enquanto alguns países africanos têm melhorado consideravelmente seus índices sociais, no Zimbábue a situação atual é muito semelhante (pior em alguns aspectos) àquela do início do governo de Mugabe.
      Para entender um pouco do declínio do Zimbábue nas últimas décadas, uma boa leitura é Quando um Crocodilo Engole o Sol (Nova Fronteira, 2008), de Peter Godwin. O jornalista, um zimbabuano branco nascido em 1957, narra a vida de sua família em um país sob constante mudança. Invasões de terra, assassinatos, ameaças, corrupção e terror foram testemunhados por Godwin na África. Ao mesmo tempo em que a situação de seu país se degrada, o escritor tem que lidar com dramas familiares, já que seu pai, idoso e doente, e sua mãe, também debilitada, lutam para sobreviver em meio ao caos.
      Quando um Crocodilo Engole o Sol é uma narrativa brilhante sobre a vida familiar e social no Zimbábue em anos recentes. Godwin aborda com habilidade diversos aspectos do país africano como a desigualdade social, o racismo, a cultura do povo local, a formação de guerrilhas e, principalmente, a trajetória de Mugabe, inicialmente um salvador, e agora tirano. Ler o relato de Godwin sobre a situação do Zimbábue é desolador. Histórias como a dele e, principalmente, a de Philip Gourevich, sobre a guerra civil de Ruanda em 1994, descrita em Gostaríamos de Informá-lo de que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias (Companhia de Bolso, 2006) mostram o lado mais obscuro da humanidade que, de tempos em tempos, teima em aparecer.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O Livro da Minha Vida (2)

Por Natália

      Eu poderia indicar, para cada fase de minha vida, várias obras marcantes. Para a pré-adolescência, livros policiais de autores como Agatha Christie, Conan Doyle e Marcos Rey. Para a adolescência, O Mágico de Oz (recentemente resenhado) e O Dia do Curinga, de Jostein Gaarder. Para a época da graduação, os clássicos de Machado de Assis, os romances policiais de P.D.James e obras da Literatura Ocidental em geral (como O Morro dos Ventos Uivantes e Drácula). Recentemente, fui presenteada por uma professora muito querida, Prof. Flávia Saretta, com um livro escrito por volta de 1940 e publicado mais de 60 anos depois. Sua autora, Irène Némirovsky, é um dos maiores nomes da literatura do século passado. E essa obra, Suite Française, é um dos retratos mais impressionantes sobre a ocupação alemã na França durante a Segunda Guerra Mundial.
      Ao contrário de outras obras sobre a II Guerra, Suite Française não descreve os grandes conflitos nem as aflições dos soldados no campo de batalha. Os personagens da obra são pessoas comuns, mais ou menos afortunadas, que procuram fugir de Paris nos dias anteriores à invasão alemã. São apresentados, portanto, não indivíduos heroicos ou cidadãos com forte sentimento patriótico; o que a obra traz a seus leitores são famílias, casais e jovens que, temendo por sua vida e zelando pelo próprio conforto, são capazes tanto de ajudar como de prejudicar as pessoas que estão em situação semelhante à sua.
      Na primeira parte da obra, quando Paris está prestes a ser ocupada, alguns episódios chamam a atenção. Em meio a bombardeios, a mãe de uma família aristocrática aconselha seus filhos a compartilharem seus doces com crianças mais pobres. Quando percebe que todas as mercearias estão fechadas e que, se a distribuição de guloseimas continuar, os próprios filhos ficarão sem doces, ela proíbe-os de prosseguir com tal gesto de boa-vontade. Mais tarde, na tentativa de fugir de outros ataques, essa mesma família abandona um abrigo no meio da madrugada, levando consigo o gato da família e se esquecendo do avô, que sofria de uma doença degenerativa.
      Já na segunda parte da obra, com a ocupação alemã estendendo-se também pela região ao sul da capital francesa, observamos como a rotina de um vilarejo se altera por causa da presença de soldados nazistas. Os homens da localidade dirigem aos invasores um ódio quase violento, pois temem que o charme dos combatentes faça-os perder suas mulheres. E, enquanto as mulheres mais novas de fato suspiram pelos soldados, uma vez que veem neles uma oportunidade para desviarem-se de sua maçante rotina rural, as mais velhas culpam-nos pelo desaparecimento de seus filhos durante o conflito. É nessa parte da obra que, entre uma francesa e um oficial alemão, criam-se laços quase que fraternais: os dois sabem que o destino de suas nações e de suas famílias foi enormemente modificado por causa da guerra.
      O mais surpreendente de Suite Française (Vintage International, 2006) é a maneira como Némirovsky consegue construir, a partir de pequenos episódios, uma grande narrativa. Além disso, é interessante perceber que, ao contrário da maioria das obras (literárias ou não) sobre a Segunda Guerra Mundial, Suite Française é imparcial, sem defender os franceses e atacar os alemães. Em vez de fazer isso, a obra mostra o quanto o conflito é doloroso, independentemente da nacionalidade dos envolvidos. Vale destacar, porém, que Némirovsky adota essa postura neutra apesar de sua situação na França. Nascida em Kiev, na Ucrânia, e oriunda de uma família judaica, Irène Nemiróvsky muda-se para Paris em 1918, para fugir da Revolução Russa. Na França, converte-se ao Catolicismo e casa-se com um banqueiro, Michel Epstein, também um judeu convertido. Irène e a família viviam em Paris quando a ocupação alemã ocorreu, e foi nessa ocasião que ela começou a redigir Suite Française, atualmente sua obra mais reconhecida. Porém, o romance não foi finalizado porque a autora e seu marido foram presos e deportados a Auschwitz. Michel Epstein foi imediatamente mandado à câmara de gás. Irène morreu pouco tempo depois, de tifo. Suite Française permaneceu escondida por muito tempo até que, há menos de uma década, foi publicada. Ainda que inacabada, é uma obra de arte de brilhantismo e grandeza incalculáveis.

"O Livro da Minha Vida" é um projeto do Blog Página Virada. O blog publicará todas as quartas-feiras um post sobre uma obra que marcou a vida de alguém. Para participar, mande seu texto para paginaviradablog@yahoo.com.br

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Um assassino entre nós

O clímax de Um assassino entre nós, de Ruth Rendell (L&PM, 2007), é anunciado já na primeira página:
     “Eunice Parchman matou a família Coverdale porque não sabia ler nem escrever.
     Não houve nenhum motivo real e nenhuma premeditação; ninguém ganhou dinheiro nem segurança. Como resultado do crime, a deficiência de Eunice Pachman ficou conhecida não só por uma única família ou um punhado de cidadãos, mas por todo o país. Ela não conseguiu nada com isso além de desgraça para si e, desde o início, em algum lugar de sua mente estranha, ela sabia que não conseguiria nada. Mas, ainda que sua companheira e parceira fosse louca, Eunice não era. Ela tinha a terrível e prática sanidade do macaco atávico disfarçado de mulher do século XX.”
Porém, não importa tanto o desfecho ao qual é submetida a família Coverdale, mas sim os fatos que levam Eunice Parchman, a empregada doméstica, a assassinar friamente seus integrantes. Os Coverdale (o casal George e Jacqueline e os filhos Melinda e Giles) procuram uma funcionária para que a mãe não faça todo o trabalho de casa sozinha. Assim, Eunice se apresenta, e a família nem desconfia que suas ótimas referências são falsificadas.
Apesar de todas as gentilezas que lhe são dirigidas, Eunice é calada, estranha e por vezes grosseira. O que os Coverdale não sabem é que a nova funcionária guarda um segredo que, para ela, é terrível: ela é analfabeta. Eunice ignora que os bilhetes deixados pela dona da casa são ordens que ela deve cumprir; logo, as advertências que Jacqueline e George lhe dirigem por causa das tarefas não feitas começam a alimentar um incontrolável ódio na mulher. Todos os atos e gestos dos Coverdale passam a ser interpretados equivocadamente por Eunice, que acredita estar sendo vítima de uma espécie de conspiração. O leitor percebe, então, que o inevitável fim está para ocorrer.
Ruth Rendell constrói uma narrativa tensa, e o leitor, ao passar a simpatizar com as excentricidades dos Coverdale e a se assustar com a frieza de Eunice, torce para que a família consiga escapar de seu cruel destino. Um assassino entre nós, lançado em 1977, é, além de um clássico da literatura policial inglesa, uma crítica inteligente às diferenças entre as classes sociais da Grã-Bretanha da década de 1970.

domingo, 24 de outubro de 2010

Mafalda!

      Criada pelo cartunista argentino Joaquín Salvador Lavado, mais conhecido como Quino, Mafalda é uma personagem que definiu as histórias em quadrinhos dos anos 60. Fã dos Beatles e do Pica-Pau, Mafalda é uma criança que tem preocupações de gente grande. Nascida em uma época de conflitos e guerras em várias partes do mundo, de grandes desigualdades sociais (que permanecem até os dias atuais), a menina tem dificuldade para entender por que as pessoas não conseguem relacionar-se bem. Seus pais, sempre presentes, tentam responder às angústias da menina, embora nem sempre consigam atender às expectativas dela.
      Como qualquer outra criança, Mafalda brinca com seus amigos sempre que pode. Filipe, Manolito, Susanita, Miguelito e Liberdade estão sempre com Mafalda, inventando brincadeiras e discutindo assuntos sérios. Seu irmãozinho caçula, Guile, é um menino espirituoso, cheio de dúvidas (como Mafalda) e que, com o passar do tempo, torna-se o principal companheiro de aventuras da menina.
      Mafalda é o principal personagem de quadrinhos da América Latina. As tiras de Quino ainda hoje influenciam vários cartunistas e escritores, que veem nas histórias de Mafalda uma rica fonte de inspiração. Na Argentina, várias homenagens foram feitas a Quino, duas das quais se encontram na capital portenha: uma praça, chamada “Praça Mafalda”, no bairro Colegiales, e uma escultura da menina sentada em um banco, no bairro San Telmo. Para quem visita Buenos Aires e é fã da garotinha, ambas são paradas obrigatórias.
      Para quem quer conhecer as tiras de Mafalda, recomendamos Toda Mafalda: da primeira à ultima tira (Martins Fontes, 1993).

O Mágico de Oz

Uma garotinha órfã, um cachorro, um espantalho, um homem de lata e um leão. Esse é o time de personagens que compõe um dos clássicos da literatura infanto-juvenil norte-americana, O Mágico de Oz, publicado em 1900 por Lyman Frank Baum. Além deles, há ainda bruxas (boas e más), macacos voadores, criaturas ferozes, povos desconhecidos e, é claro, o Grande Mágico.
A história é bem conhecida: Dorothy e o cãozinho Totó são levados do Kansas por um tornado, junto com a casa em que estão, à Terra de Oz. Chegando lá, aterrissam sobre a Bruxa Má do Leste, que vinha aterrorizando a Terra dos Munchkins, um povo muito agradável. A Bruxa Má do Oeste aparece, jurando vingança pela morte da amiga, e Dorothy se assusta. Os Munchkins, então, aconselham-na a ir à Cidade das Esmeraldas e pedir para que o Mágico faça-a retornar ao Kansas. Dorothy e Totó preparam-se para sair pela Estrada dos Tijolos Amarelos quando a Bruxa Boa do Norte surge e presenteia a menina com os sapatos prateados que pertenciam à feiticeira esmagada.
No caminho para a Cidade das Esmeraldas, a garotinha conta sua história a quem quiser ouvi-la, e assim acaba fazendo alguns amigos: o Espantalho, o Lenhador de Lata e o Leão Covarde. Como também têm pedidos a fazer ao Mágico de Oz, eles decidem acompanhá-la. O Espantalho quer um cérebro; o Lenhador de Lata, um coração; e o Leão Covarde, coragem. Com a ajuda de seus novos amigos e de Totó, a menina enfrenta as ameaças da Bruxa Má do Oeste e os vários perigos que aparecem ao longo da jornada.
Ao chegarem à Cidade das Esmeraldas, porém, se decepcionam: o Grande Oz é, na verdade, um impostor e não pode atender aos pedidos de Dorothy e de seus amigos. Desesperada, a menina procura a Bruxa Boa do Norte, que lhe assegura que a forma de voltar para casa é mais simples do que parece e que ela já possui os meios de fazer isso: é só bater os calcanhares que os sapatinhos prateados sabem aonde levá-la.
Nesse momento, seus amigos se dão conta de algo muito importante: eles também já possuem o que tanto buscam. O Espantalho percebe que foi ele quem elaborou os planos mais mirabolantes executados pelo grupo; o Lenhador de Lata descobre que ele não precisa de um coração para ser capaz de ter sentimentos nobres e puros; e o Leão Covarde nota que foi ele quem sempre defendeu seus amigos dos perigos enfrentados durante a aventura. Os três, então, reconhecem que Dorothy fez com que eles se dessem conta de suas próprias qualidades e que, se não tivessem atravessado a Terra de Oz em busca de seus desejos, ainda seriam criaturas muito infelizes.
O Mágico de Oz (L&PM, 2001) é uma obra que, além de bom entretenimento, proporciona ao seu leitor esperança e conforto. É impossível não encerrar sua leitura com um suspiro encantado, pois certamente a obra faz perceber que cada um de nós tem um pouco de Espantalho, Lenhador de Lata ou Leão Covarde. Mais do que um livro divertido, O Mágico de Oz faz com que o leitor note que as respostas às perguntas muitas vezes se encontram no interior de quem as busca, e que a solução para os problemas está em nós mesmos. Há autoajuda melhor do que isso?